A partir de 2018, a crise humanitária venezuelana ou a ter impactos mais significativos no Brasil. Em março daquele ano, foi instituída a Operação Acolhida como principal resposta do governo brasileiro ao fluxo de pessoas venezuelanas deslocadas em decorrência da situação de grave e generalizada violação dos direitos humanos naquele país. 554n
A Estratégia de Interiorização é um dos pilares da Operação Acolhida. Trata-se de uma iniciativa que leva pessoas refugiadas e migrantes que estão em Roraima, principal porta de entrada dessa população, para outros estados do Brasil, apoiando o processo de acolhimento e proteção humanitária, que até então se concentrava na fronteira com a Venezuela. Atualmente, a Operação Acolhida envolve uma complexa articulação entre populações migrantes e refugiadas, gestores e operadoras humanitárias, militares e sociedade civil organizada, abrangendo mais de 1.000 municípios brasileiros.
Desde 2020, a crise econômica e a pandemia da COVID-19 dificultaram a integração socioeconômica de pessoas refugiadas e migrantes à comunidade local. Para compreender melhor a dinâmica da integração dessa população, foi iniciada a pesquisa "A Estratégia de Interiorização para Refugiadas, Refugiados e Migrantes da Venezuela no Brasil: Construindo Evidências para Informar a Formulação de Políticas Responsivas ao Gênero". A pesquisa é realizada pelo ACNUR (Agência da ONU para Refugiados), ONU Mulheres e UNFPA (Fundo de População das Nações Unidas), no âmbito do Programa Conjunto Moverse, financiado pelo Governo de Luxemburgo.
A pesquisa teve início em janeiro de 2021 e ou por três fases de coleta de dados quantitativos. A primeira onda ocorreu entre maio e julho de 2021, enquanto a segunda onda foi realizada entre outubro e novembro do mesmo ano. Nessas duas fases, foram entrevistadas 2.000 pessoas de origem venezuelana interiorizadas entre março de 2020 e agosto de 2021, além de 682 pessoas residentes em abrigos em Boa Vista (RR), para fins de comparação. Também foram conduzidas entrevistas com 48 gestoras, gestores e representantes de organizações internacionais, sociedade civil e atores governamentais envolvidos na Estratégia de Interiorização.
A terceira onda da pesquisa, realizada entre agosto e novembro de 2023, atualizou os dados e ampliou a análise sobre a inserção socioeconômica da população venezuelana interiorizada no Brasil. Foram entrevistadas 1.054 pessoas interiorizadas entre março de 2020 e junho de 2023 e 361 pessoas residentes em abrigos em Boa Vista (RR). Além de possibilitar a comparação entre diferentes momentos da interiorização, essa nova fase da pesquisa traz um olhar mais detalhado sobre a evolução da integração econômica e social dessa população.
O estudo foi conduzido por CEDEPLAR/UFMG (Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais), IPEAD (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas istrativas e Contábeis de Minas Gerais), Universidade Federal de Roraima (UFRR) e Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG).
Na barra superior você poderá ar os principais resultados da pesquisa, além de infográficos e histórias de pessoas refugiadas e migrantes que vivem no Brasil.
No menu acima, você também encontrará os resultados anteriores, relacionados a primeira e segunda onda da pesquisa.
Clique aqui para ar os resultados da primeira fase da pesquisa, lançada em dezembro de 2021.
Clique abaixo para fazer o do relatório completo da nova fase da pesquisa.
O Programa Conjunto Moverse é uma iniciativa implementada pela ONU Mulheres, pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), com o apoio do Governo de Luxemburgo — parceiro das instituições há seis anos na implementação de projetos voltados à construção de políticas e estratégias que promovam o empoderamento econômico, a proteção e a liderança e participação política de mulheres refugiadas e migrantes que vivem no Brasil.
Entre 2021 e 2023, o programa teve como foco principal o empoderamento econômico, por meio da articulação com governos, empresas e instituições públicas e privadas para fortalecer os direitos econômicos e ampliar as oportunidades de desenvolvimento de mulheres venezuelanas refugiadas e migrantes. Em sua nova fase, iniciada em 2024, o programa amplia seu escopo para incluir mulheres refugiadas e migrantes de diversas nacionalidades, com o objetivo de oferecer apoio técnico ao governo federal no desenvolvimento de políticas públicas sensíveis aos direitos humanos e à igualdade de gênero, além de fortalecer as capacidades de mulheres e seus coletivos para uma participação efetiva nos processos de tomada de decisão.
A integração socioeconômica da população venezuelana no Brasil tem avançado, mas ainda enfrenta desafios. A participação no mercado de trabalho aumentou, especialmente entre as pessoas interiorizadas por meio de vagas de emprego sinalizadas.
87,2% das pessoas interiorizadas estão empregadas ou buscando trabalho, enquanto entre as pessoas abrigadas, apenas 52,3% estão ativamente no mercado de trabalho, o que destaca as oportunidades existentes nos estados de destino. A formalidade no emprego melhorou entre as pessoas interiorizadas, mas ainda é um desafio: enquanto 24,7% estão em empregos informais, entre as pessoas abrigadas, 73,9% continuam sem registro formal.
A necessidade de políticas públicas voltadas para a revalidação de diplomas e cursos de capacitação profissional é evidenciada a partir do relato de 63% das pessoas entrevistadas que afirmam não conseguir atuar em sua área de formação. A língua segue como uma barreira significativa: 40% das pessoas abrigadas têm dificuldades com o português.
Lorena se tornou maior de idade em 2020, ano que a pandemia do Coronavírus se alastrou pelo mundo. Em busca de trabalho, em 2021, ela deixou a Venezuela em direção ao Brasil, esperando encontrar alguma oportunidade.
Em Pacaraima, município de Roraima, viveu em um abrigo, local onde pode emitir os documentos que precisava para seguir a vida no Brasil. Assim Lorena seguiu para Boa Vista, onde se qualificou através de diferentes cursos e então indicada para a interiorização, pela modalidade de vaga de emprego sinalizada (VES) em São Paulo.
No Brasil Lorena conquistou a sua primeira vaga de emprego formal. A oportunidade proporcionou a possibilidade de se estabelecer no Brasil e também fez com que ela pudesse ajudar na construção da casa da família que ficou na Venezuela.
Assista o vídeo acima e conheça a história de Lorena.
Para ar todos os dados da pesquisa, consulte o relatório completo.
A terceira onda da pesquisa revelou uma melhoria das condições de trabalho da população venezuelana interiorizada. Entre 2021 e 2023, a informalidade caiu de 32,4% para 24,7%, indicando uma maior formalização no mercado de trabalho. Já entre as pessoas abrigadas, a informalidade permanece alta, mas reduziu de 89,9% para 73,9%.
O número pessoas empregadas com carga horária adequada subiu de 90,1% para 94,2%. Por outro lado, o desemprego aumentou em 2.5 pontos percentuais entre as pessoas interiorizadas e segue elevado entre as pessoas abrigadas.
Um fator positivo é o aumento de renda. O rendimento médio mensal individual da população interiorizada aumentou 18,1% entre 2021 e 2023 e a renda per capita domiciliar, 7,7%. No entanto, a desigualdade salarial entre gêneros na população interiorizada se agravou. Em 2023, homens ganhavam em média 33,4% a mais do que mulheres. A média salarial era de R$ 1.953,20 para homens e R$ 1.463,93 para mulheres.
A população abrigada em Roraima continua enfrentando grandes desafios econômicos. A médias salarial das pessoas que vivem em Roraima é de R$ 2.870,23, que é 3,2 vezes maior do que o das pessoas abrigadas, cuja média salarial é de R$ 892,44 - valor que representou 67% do salário mínimo vigente no Brasil em 2023. Mais expressivamente, a pesquisa revelou que o rendimento domiciliar per capita é 16 vezes menor entre pessoas abrigadas, alcançando R$ 1009,01.
As mulheres abrigadas enfrentam um cenário ainda mais difícil: o desemprego entre elas chega a 69,7%, quase 20 pontos percentuais acima da taxa masculina, que é de 52,3%. Os números refletem as barreiras enfrentadas pelas mulheres no o ao trabalho e da sobrecarga com tarefas de cuidado. Além disso, o tempo médio sem emprego após a interiorização é maior entre mulheres (7,3 meses) do que entre homens (5,5 meses), evidenciando desigualdades persistentes no o ao mercado de trabalho.
Há dois anos Alicia saiu de Roraima, estado em que chegou ao Brasil, para se estabelecer em São Paulo. Na capital paulista, conseguiu uma oportunidade de trabalho em uma rede de hotelaria.
Trabalhando como arrumadeira, ela revela que aprendeu muito mais do que apenas o que é esperado de sua função. Alicia conta que nesta oportunidade de trabalho pela primeira vez em sua trajetória profissional, recebeu as orientações necessárias para compreensão não só dos seus deveres, mas também dos seus direitos.
A oportunidade de trabalho viabilizou a reconstrução de sua família e garante ajuda econômica para seus pais, que permanecem na Venezuela.
Conheça um pouco mais da história de Alicia no vídeo acima.
Para ar todos os dados da pesquisa, consulte o relatório completo.
De maneira geral, a pesquisa aponta que 50,5% das pessoas interiorizadas possuem ensino médio completo, em comparação a 38,1% das pessoas abrigadas. Além disso, 13,9% das pessoas interiorizadas completaram o ensino superior, quando apenas 7,4% das pessoas abrigadas concluíram essa etapa educacional.
Entre as mulheres interiorizadas, a média é de um grau de escolaridade mais alta dos que a dos homens. 17,6% das mulheres concluíram o ensino superior, em relação a 12,8% dos homens. No entanto, a desigualdade de gênero é evidenciada na taxa de evasão escolar, que é maior entre as meninas abrigadas, com 29,3% abandonando os estudos, em comparação a 25,7% dos meninos.
13,93% dos homens interiorizados têm o ensino médio incompleto, comparado a 12,41% das mulheres. O dado reforça que, embora as mulheres estejam mais presentes no ensino superior, muitas delas ainda enfrentam barreiras para concluir a educação básica.
Em relação à empregabilidade, 45% das pessoas interiorizadas que participaram de cursos de capacitação profissional conseguiram emprego formal nos seis meses seguintes. Contudo, o índice é menor entre as mulheres, que constantemente enfrentam desafios adicionais, como a necessidade de conciliar estudo e responsabilidades domésticas.
Em 2018 Aleska iniciou sua carreira como médica na Venezuela. Trabalhando em dois hospitais ela conciliava a jornada de trabalho remunerado com a maternidade. Embora o marido também estivesse empregado, os salários recebidos perderam o poder de compra e o casal tomou a decisão de viver no Brasil.
Como muitas famílias, eles chegaram ao país por Boa Vista (RR), onde moraram por alguns meses. Desde 2020, a família vive em São Paulo (SP), onde Aleska tem a perspectiva de revalidar o diploma de medicina para atuar no Brasil. Para isso, ela se dedica aos estudos para a realização da prova.
Nesse tempo, ela realizou cursos que a ajudassem a ingressar no mercado de trabalho, mesmo fora de sua área, para manter a vida no país, atuando como copeira em um hospital e com telemarketing.
No vídeo acima, você pode conhecer melhor a jornada de Aleksa.
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Mulheres venezuelanas interiorizadas enfrentam obstáculos adicionais para entrar e se manter no mercado de trabalho. Grande parte acumula responsabilidades com o cuidado de filhos e familiares idosos, e 43,6% relatam que a falta de creche ou escola para os filhos dificulta a busca por emprego — realidade bem menos comum entre os homens.
A violência de gênero também é uma preocupação importante. 12,3% das mulheres interiorizadas relatam ter sofrido algum tipo de violência, percentual que sobe para 18,7% entre as mulheres abrigadas. Além disso, 45% delas relatam se sentir inseguras ao sair sozinhas à noite.
As dificuldades no o à saúde afetam de forma desproporcional as mulheres. Entre as interiorizadas, 26,4% tiveram problemas para ar serviços de saúde sexual e reprodutiva, número que sobe para 39,1% entre as abrigadas.
A discriminação é um desafio eminente no mercado de trabalho. 53% das mulheres interiorizadas trabalham em setores como salários mais baixos, como serviços domésticos e comércio informal, quando entre os homens esse percentual é de 29%. A ausência de reconhecimento de diplomas também afeta mais as mulheres, que trabalham em ocupações abaixo de suas qualificações profissionais.
A informalidade é outro ponto crítico: 57,7% das mulheres abrigadas trabalham sem carteira assinada, reforçando a situação de vulnerabilidade. Entre as interiorizadas, esse índice é de 28,8%, refletindo melhores oportunidades em regiões mais estruturadas.
As barreiras linguísticas e culturais ainda limitam a integração no mercado. Cerca de 36,2% das mulheres interiorizadas relatam dificuldades de comunicação no ambiente de trabalho, o que pode comprometer sua permanência e crescimento profissional.
Após o falecimento do esposo, Maria Fabíola veio para o Brasil. Venezuelana da etnia Warao, ela acredita que conhecer as características do país que a acolhe é o caminho para que sua comunidade possa se adaptar ao novo território, sem deixar que seus traços culturais se apaguem. Para isso, Maria Fabíola se fortalece de conhecimento ligado a gênero e marca seu papel como adaimo, uma liderança política e social, em solos para além de sua comunidade.
Por meio de pesquisas individuais e da participação em cursos, Maria Fabíola conheceu melhor as leis brasileiras, os direitos das pessoas refugiadas e migrantes aqui e, principalmente, as formas de defender e apoiar mulheres indígenas contra a violência.
Com esse conhecimento, ela atua como uma liderança que auxilia mulheres a buscar ajuda diante de situações como discriminação e violência. Maria Fabíola acredita que é no conhecimento que a luta que tem hoje irá refletir em respeito em um futuro próximo.
Assista o vídeo acima e saiba mais sobre a história de Maria Fabíola.
Para ar todos os dados da pesquisa, consulte o relatório completo.
Apesar dos desafios, diversas iniciativas vêm contribuindo para a integração e da empregabilidade e autonomia econômica das pessoas venezuelanas interiorizadas e abrigadas no Brasil.
O número de pequenos empreendimentos liderados por pessoas venezuelanas segue crescendo no Brasil. Em 2023, 22,1% das pessoas interiorizadas relataram estar envolvidas em pequenos negócios — um aumento de 7 pontos percentuais em relação à pesquisa anterior. O empreendedorismo tem se mostrado uma alternativa viável, especialmente para mulheres que enfrentam barreiras na formalização do trabalho.
Parcerias entre ONGs e empresas locais têm impulsionado programas voltados à empregabilidade feminina. Ações específicas resultaram em um aumento de 5,2 pontos percentuais na inserção de mulheres migrantes no mercado formal entre a segunda e a terceira onda da pesquisa.
Nos estados do Sul e Sudeste, cresce a oferta de cursos técnicos gratuitos para refugiados e migrantes — e os resultados são positivos: 45% das mulheres que participaram dessas capacitações conseguiram emprego formal em até seis meses.
Programas de aluguel social para pessoas refugiadas vêm sendo implementados em algumas cidades brasileiras, contribuindo para a estabilidade habitacional e inserção econômica. Entre as pessoas que receberam apoio para moradia, 75% afirmaram ter melhorado a qualidade de vida e o o ao trabalho.
A interiorização, quando acompanhada de e adequado, tem gerado resultados concretos. Segundo a terceira onda da pesquisa, 67% das pessoas interiorizadas relatam melhora significativa na qualidade de vida desde a mudança, demonstrando o potencial transformador dessas políticas.
Nancy veio ao Brasil em busca de melhor qualidade de vida para o filho, que sofre de epilepsia. Enquanto a filha trabalhava fora de casa, Nancy se responsabilizava pelo cuidado do filho e da neta. Pouco a pouco, mãe e filha caminharam em direção ao sonho mais desejado desde que chegaram ao país, a construção de uma casa própria.
Antes de construir a tão sonhada casa, a família de Nancy viveu em uma ocupação espontânea junto a outras pessoas refugiadas e migrantes venezuelanas. Nesse espaço ela conheceu as iniciativas realizadas pelo Programa Conjunto Moverse, assim Nancy se tornou uma mobilizadora, convidando outras mulheres a participarem das rodas de conversa e cursos oferecidos.
Dessa troca de experiências e de conhecimento, as mulheres da ocupação construíram uma rede de apoio e proteção que envolvia desde o cuidado com o lar até o auxílio em momentos delicados, como e em situações de violência doméstica.
No vídeo acima, você conhece um pouco mais da história de Nancy.
Para saber o resultado completo da pesquisa, baixe o relatório e confira o conteúdo.